Na estreia da editoria “Entrevista”, o “Boletim Diálogos Pró-Açaí” conversou com Fabrício Santos, Agrônomo, Doutor em Produção Vegetal, coordenador-geral de Extrativismo Substituto do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O entrevistado destaca as iniciativas governamentais que contribuem para o fortalecimento do extrativismo sustentável na Amazônia brasileira, as políticas de financiamento para o setor e os desafios elencados para o avanço dessas políticas públicas.

 

  1. “Boletim Diálogos Pró-Açaí”: Na sua opinião, quais as potencialidades para o fortalecimento do extrativismo na Amazônia, na perspectiva da construção de uma política nacional para a bioeconomia brasileira?

Fabrício Santos: Inicialmente, cabe ressaltar que a maior biodiversidade do planeta está na Amazônia (Amazônia Legal) que ocupa 58,9%, dos 8.510.295,914 km2 da área total do território brasileiro, envolvendo 9 estados e 772 municípios, segundo o IBGE. 

Com base na estreita relação existente entre a grande diversidade sociocultural da Amazônia Legal, composta por populações tradicionais que vivem e detêm conhecimentos e saberes relacionados à sua biodiversidade, e as cadeias de produtos do extrativismo e da sociobiodiversidade, entende-se que há um enorme potencial na região para o desenvolvimento sustentável e para o fortalecimento das cadeias de produtos extrativistas e da sociobiodiversidade, gerando renda, segurança alimentar e melhoria da qualidade de vida das populações locais, elementos precursores para construção de uma política nacional.

Neste sentido, considerando a grande diversidade de populações, povos e comunidades tradicionais que compõem os elos iniciais das cadeias produtivas e sobrevivem da atividade extrativista, a formulação de uma política nacional para a bioeconomia precisa concatenar quatro importantes dimensões: econômica, ambiental, social e cultural. 

Assim, o fortalecimento do extrativismo na Amazônia precisa considerar, de forma prioritária, os cinco seguintes eixos do Programa Bioeconomia Brasil Sociobiodiversidade, a saber:

I – Estruturação Produtiva das Cadeias do Extrativismo (Pró-Extrativismo): promover a estruturação de cadeias produtivas do extrativismo em todos os biomas brasileiros, com preponderância para a Amazônia, e contribuir para o desenvolvimento sustentável, a inclusão produtiva e a geração de renda;

II – Ervas Medicinais, Aromáticas, Condimentares, Azeites e Chás Especiais do Brasil: promover alianças produtivas tendo os setores de alimentos e saúde como promotores do desenvolvimento local articulado com políticas públicas visando ampliar o acesso aos mercados nacional e internacional;

III – Roteiros da Sociobiodiversidade: valorizar a diversidade biológica, social e cultural brasileira e apoiar a estruturação de arranjos produtivos e roteiros de integração em torno de produtos e atividades da sociobiodiversidade de forma a contribuir para a geração de renda e inclusão produtiva;

IV – Potencialidades da Agrobiodiversidade Brasileira: promover a conservação da agrobiodiversidade por meio do reconhecimento de sistemas agrícolas tradicionais e fomento de ações para a conservação dinâmica destes sistemas com foco no uso sustentável de seus recursos naturais visando a geração de renda, agregação de valor e manutenção da diversidade genética de sementes e plantas cultivadas; e

V – Energias Renováveis para a Agricultura Familiar: promover a geração e aproveitamento econômico e produtivo das fontes de energias renováveis, em especial a solar fotovoltaica, tanto para autoconsumo quanto para geração distribuída, contribuindo para o desenvolvimento sustentável, geração de renda e inclusão produtiva no meio rural.

 

  1. “Boletim Diálogos Pró-Açaí”: Você poderia destacar quais iniciativas governamentais contribuem para o fortalecimento do extrativismo sustentável na Amazônia brasileira, incluindo políticas de financiamento para o setor? Quais são os desafios que você elenca para o avanço dessas políticas públicas?

Fabrício Santos: Uma importante iniciativa criada no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, instituída por meio da Portaria nº 121, de 18 de junho de 2019, foi o Programa Bioeconomia Brasil – Sociobiodiversidade. O Instrumento tem por objetivo promover a articulação de parcerias entre o Poder Público, pequenos agricultores, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais e seus empreendimentos e o setor empresarial, buscando estruturar sistemas produtivos a partir do uso sustentável dos recursos da sociobiodiversidade, do extrativismo e da produção e utilização de energia a partir de fontes renováveis, de modo a ampliar a participação desses segmentos nos arranjos produtivos e econômicos que envolvam o conceito da bioeconomia. 

A partir das interseções entre o Programa Bioeconomia Brasil – Sociobiodiversidade e as competências do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, no sentido de apoiar e fomentar políticas e projetos de fomento à participação da agricultura familiar nas cadeias de produção da bioeconomia e em áreas relacionadas ao agroextrativismo e à sociobiodiversidade, encontra-se em vias de formalização a iniciativa intitulada “ Sociobio na Amazônia”. 

A ação visa a apoiar a execução de projetos que contribuam para a estruturação e o fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade e do extrativismo sustentável, por meio de atividades que promovam o aperfeiçoamento dos sistemas de gestão, dos processos de manejo, produção, beneficiamento, processamento, armazenagem, distribuição e comercialização dos produtos da sociobiodiversidade e do extrativismo sustentável, nos estados integrantes da Amazônia Legal. 

Quanto às políticas de financiamento para o setor, destaca-se que no Plano Safra 2020/21 foi lançada a Linha de Crédito do Pronaf BIOECONOMIA como uma nova linha de crédito, destinada ao financiamento de custeio e investimento em Sistemas de Exploração Extrativistas, de produtos da sociobiodiversidade, incluindo plantas medicinais, aromáticas e condimentares, produtos artesanais e turismo rural, e sistemas de geração de energia a partir de fontes renováveis (solar, eólica, biodigestão, hidráulica) e de sustentabilidade ambiental. Entre os anos de 2020 e 2021, houve 1.917 acessos ao Pronaf Bioeconomia, totalizando 127 milhões de reais.

Ainda neste contexto, dispomos de uma parceria com Embrapa para apoio a projetos de estruturação, fortalecimento e aprimoramento das cadeias produtivas relacionadas com bioeconomia como açaí, cupuaçu, castanha do Brasil, piaçava, mandioca, mel de abelhas nativas, baunilhas brasileiras e sistemas agroflorestais biodiversos nos Biomas Amazônia e Cerrado. A articulação contempla, também, a realização de desafio para busca de inovações tecnológicas para potencializar o acesso dessas cadeias ao mercado e metodologias de Educação a Distância. O investimento é de 2,1 milhões de reais, beneficiando em torno de 21.230 agricultores familiares, extrativistas e povos e comunidades tradicionais.

 

  1. Boletim Diálogos Pró-Açaí”: Qual o papel, e a importância, do açaí na cesta de produtos da sociobiodiversidade brasileira e para o abastecimento do mercado interno?

Fabrício Santos: O açaí é uma das cadeias produtivas priorizadas no escopo das ações do Plano Nacional para Promoção dos Produtos da Sociobiodiversidade, sendo contemplado no âmbito da Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Sociobiodiversidade, que é um instrumento de subvenção de preço ao produtor em situações nas quais os preços de mercado encontram-se abaixo dos preços mínimos estabelecidos

A Política encontra-se sob a tutela do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sendo operacionalizada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Atualmente, 17 produtos são subvencionados pela PGPM-Bio, a saber:  Açaí (fruto); Andiroba (amêndoa); Babaçu (amêndoa); Baru (amêndoa); Borracha extrativista (cernambi); Buriti (fruto); Cacau extrativo (amêndoa); Castanha do Brasil (com casca); Juçara (fruto); Macaúba (fruto); Mangaba (fruto); Murumuru (fruto); Pequi (fruto); Piaçava (fibra bruta); Pinhão; Pirarucu e Umbu (fruto).

Segundo dados do IBGE, a extração de açaí segue registrando o maior valor entre os produtos não madeireiros. O açaí amazônico, destaca-se, é coletado de uma palmeira nativa da região, tendo 92,1% de sua extração concentrada nos estados da Região Norte. Portanto, entende-se que o apoio à estruturação da cadeia de valor do açaí é deveras importante, principalmente em termos de valorização da sociobiodiversidade local, que permeia a sustentabilidade da cadeia a médio e longo prazo.

 

  1. “Boletim Diálogos Pró-Açaí”: Como fomentar o setor produtivo que está nos primeiros elos da cadeia do açaí, como empreendimentos comunitários e as batedeiras?

Fabrício Santos: O próprio “Diálogos Pró-Açaí” é um importante espaço que busca trazer elementos que contribuam para o fomento a este setor produtivo. 

A parceria estabelecida entre a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo – SAF/MAPA e a Companhia Nacional de Abastecimento – Conab, visando à ampliação e gestão do acesso de extrativistas e suas organizações à Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Sociobiodiversidade – PGPM-Bio, também contribui positivamente neste processo. 

A atualização da Portaria Interministerial MAPA/MMA nº 10, de 21 de julho de 2021, que institui lista de espécies nativas da sociobiodiversidade de valor alimentício, para fins de comercialização in natura ou de seus produtos derivados, no âmbito das operações realizadas pelo Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, pela Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade – PGPMBIO, pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, se traduz num importante mecanismo de fomento a este setor. Em adição, também há a Portaria MAPA nº 123, de 13 de maio de 2021 que estabelece os padrões de identidade e qualidade para bebida composta, chá, refresco, refrigerante, soda e, quando couber, os respectivos preparados sólidos e líquidos, que faz parte deste do arcabouço legal voltado para o setor.

Ademais, ainda no fomento a este e outros setores, a execução do Programa Bioeconomia Brasil Sociobiodiversidade é feita por meio de chamadas públicas específicas e outros instrumentos jurídicos de contratação necessários para viabilizar o financiamento de projetos e a execução das ações do Programa, além da integração de políticas públicas já existentes que dialogam com a temática da Bioeconomia, a exemplo de Convênios, Termos de Execução Descentralizado e Termos de Fomento.

 

  1. “Boletim Diálogos Pró-Açaí”: Quais são os principais desafios para a produção do açaí na atualidade do ponto de vista da pasta (MAPA)?

Fabrício Santos: Conforme já destacado inicialmente, a Amazônia possui a maior biodiversidade do planeta, e junto a este enorme potencial estão, também, grandes desafios em que boa parte das cadeias de produtos da sociobiodiversidade e do extrativismo, ligadas a diferentes setores (alimentação, cosméticos, fitoterápicos, fibras, dentre outros), ainda carecem de diversos tipos de apoio para estruturar os elos da cadeia, desde o manejo adequado de espécies nativas, passando pela produção ou coleta, extração, transporte, distribuição e beneficiamento, até a comercialização de produtos e subprodutos extrativos, como apontam as discussões que vêm sendo realizadas dentro dos “Diálogos Pró-Açaí” e alguns documentos produzidos pela iniciativa – o Policy Brief: Recomendações de Políticas para a Cadeia de Valor do Açaí e Relatório do Ciclo de Debates “Riscos e Recomendações para a Cadeia de Valor do Açaí”. Os desafios enfrentados estão relacionados à melhoria da gestão e da organização para o mercado, organização da base produtiva, assistência técnica insuficiente, organização financeira e capital de giro, soluções e inovações tecnológicas nos processos envolvidos em cada elo das cadeias produtivas, entre outros.

Muito embora, ao longo das últimas décadas, diversas organizações econômicas da agricultura familiar conseguiram avançar nos processos organizativos, profissionalizaram-se e ampliaram o acesso aos mercados, constituindo-se em verdadeiras âncoras para a inserção econômica de milhares de famílias que trabalham com produtos da sociobiodiversidade e do extrativismo sustentável, a exemplo do que representa o consumo do Açaí, na atualidade. 

 

  1. “Boletim Diálogos Pró-Açaí”: Como você avalia a atuação de redes multissetoriais como esta, em prol da melhoria de uma cadeia de valor prioritária para a conservação da biodiversidade e para o desenvolvimento da Amazônia?

Fabrício Santos: Entendemos que estas redes são importantes mecanismos, primeiro porque promovem o envolvimento de setores governamentais e não governamentais, segundo porque nas discussões e nos debates surgem visões que fortalecem e ampliam o escopo de políticas públicas, especialmente em relação ao controle e participação social, a exemplo da criação de cinco câmaras estaduais de comercialização com mais de 120 membros. Estas câmaras contribuíram efetivamente na geração de renda adicional para inúmeras comunidades indígenas que conseguiram vender sua produção para a merenda escolar (PNAE), pela primeira vez. Assim como as cooperativas de agricultores familiares conseguiram comercializar um adicional nas vendas por meio dos mercados institucionais do PAA, atual Programa Alimenta Brasil (PAB).

 

Estas iniciativas estão materializadas no Relatório do Ciclo (2021) sobre os Debates: Riscos e Recomendações na Cadeia de Valor do Açaí elaborado a partir dos debates gerados no âmbito dos encontros, webinares e oficinas dos “ Diálogos Pró-Açaí”, do qual depreende-se que foi um importante resultado para o setor, pois fortaleceu e apontou caminhos para a construção de alternativas. Importante destacar, também, os dois Grupos de Trabalho constituídos para se trabalhar demandas-chave da iniciativa, um com enfoque na Sustentabilidade, e outro na geração de dados e informações sobre a cadeia do açaí.

Esses diálogos multiatores da sociobiodiversidade têm o apoio do Projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor* resultante de uma parceria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil com o Ministério da Agricultura Alemão, no caso, a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável, idealizada por meio da GIZ**. A iniciativa objetiva expandir a comercialização de produtos de cooperativas e associações comunitárias nas cadeias de valor prioritárias para o desenvolvimento da bioeconomia sustentável e inclusiva na Amazônia. 

Esta iniciativa é resultante do Projeto Mercados Verdes e Consumo Sustentável – PMVCS***, desenvolvido em parceria com a Cooperação Técnica Alemã – GIZ, que buscou promover o fortalecimento de agricultores familiares, associações e cooperativas, contribuindo para a otimização da gestão dos empreendimentos da agricultura familiar e acesso a mercados de produtos da Amazônia brasileira, como açaí, castanha, entre outros. O projeto foi desenvolvido com foco nos elos das principais cadeias de valor da sociobiodiversidade, beneficiando empreendimentos nos Estados do Acre, Amazonas, Amapá e Pará.

 

Tabela 289 – Quantidade produzida e valor da produção na extração vegetal, por tipo de produto extrativo – 1.1 – Açaí (fruto)
Ano – 2020
Brasil, Grande Região e UF Variável
Quantidade produzida na extração vegetal (Toneladas) Valor da produção na extração vegetal (Mil Reais)
Brasil 220489 694306
  Norte 202680 659544
    Rondônia 1482 3537
    Acre 4654 5565
    Amazonas 43733 74553
    Roraima 43 130
    Pará 149671 569129
    Amapá 3067 6394
    Tocantins 31 236
  Nordeste 17809 34762
    Maranhão 17809 34762

Em 2020, segundo a Tabela PEVS – Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, o Valor Total da Produção na Extração Vegetal no Brasil é de 4,7 bilhões de reais, enquanto que o valor total da produção do Açaí é de R$ 694.306.000,00. Em termos percentuais o Açaí representa 14,6% deste montante. 


*Disponível em: <https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/mapa-e-cooperacao-alema-anunciam-projeto-para-expandir-a-comercializacao-de-produtos-da-bioeconomia-da-amazonia> Acesso em 18mai,2021
**GIZ – Agência de Cooperação Alemã
***Disponível em: https://www.giz.de/en/downloads/Mercados_Verdes_BMZ_15.2131.9-001.00_PT_ago2020.pdf 

Compartilhar: