A comercialização de açaí na Amazônia é um exemplo dos esforços entre diferentes elos da cadeia produtiva para estabelecer processos de compra e venda que valorizem os diferentes aspectos da produção comunitária

Na Amazônia, é crescente o número de comunidades que se organizam para comercializar os produtos da sociobiodiversidade frutos do extrativismo ou do manejo sustentável dos rios e florestas. Cooperativas, associações e até pequenos empreendimentos familiares atuam para estruturar suas cadeias produtivas para competir no mercado como produtos de alto valor agregado. Para isso, buscam estabelecer relações comerciais justas e éticas com empresas que possam incorporar suas boas práticas e valores culturais no produto final ofertado ao consumidor.

As empresas também já compreenderam o valor da conservação da floresta e cresce o número de negócios que tem buscado garantir o balanço entre produção, conservação e inclusão social, além do desafio de frear as mudanças climáticas oriundas das emissões de Gases do Efeito Estufa (EGG). Mas para isso, é preciso garantir que as relações comerciais entre quem compra os ativos das florestas e as comunidades que atuam como verdadeiras guardiãs dos recursos naturais sejam de fato um bom negócio para ambas as partes.

O setor produtivo do açaí no Brasil pode ser um exemplo do esforço dos diferentes elos da cadeia em fomentar boas relações comerciais. Espaços de articulação como a rede multissetorial Diálogos Pró-Açaí, que reúne entidades dos setores público, privado e da sociedade civil, além de contribuírem com a aproximação entre os empreendimentos comunitários fornecedores de produtos da sociobiodiversidade e empresas compradoras, também despendem esforços para debater as necessidades do setor, sejam elas políticas, econômicas ou comerciais, a partir de um olhar para o todo. O Boletim Diálogos Pró-Açaí ouviu representantes de empresas e de empreendimentos comunitários que fazem parte da rede para compreender como se dão essas relações.

Comercialização

A cooperativa Sementes do Marajó, localizada em Curralinho (PA), negocia açaí coletado por produtores agroextrativistas em açaízais nativos com empresas desde sua fundação, em 2014. O processo é simples: empresas interessadas no produto procuram os produtores que indicam a cooperativa para tratar de assuntos comerciais. “A comercialização do açaí se dá quando as fábricas começam a comprar o produto assim que inicia a safra. No nosso caso, a partir de agosto até dezembro. Não há um valor fechado e nem uma quantidade fechada. O preço oscila sempre. E o volume por entrega depende da demanda do cliente no momento da compra”, explica Carlos Baratinha, presidente da cooperativa.

De acordo com ele, o empreendimento não fecha negócio com empresas desconhecidas. “Se algum cliente nos procurar, a gente vai saber quem é ele. A gente sonda para saber o histórico dele. Há todo um preparo e cuidado para não cairmos em cilada, pois sempre há pessoas desonestas querendo açaí”, argumenta.

A precaução de Carlos é justificável: para garantir a sustentabilidade do negócio é preciso cautela na hora de vender o produto. Mas além disso, o presidente da Sementes do Marajó conta que é preciso que a empresa tenha preocupação com as boas práticas de coleta do fruto e que o produto gerado valorize o produtor tradicional. “Sempre dialogamos sobre aspectos ambientais com as empresas. Não tem como ser diferente, afinal, a gente tem um produto diferenciado. Fazemos a seleção dos frutos. Fornecemos frutos maduros e colhidos no dia”, destaca.

Do outro lado da moeda também há uma preocupação em estabelecer negócios com fornecedores que saibam o valor da floresta em pé e realizem práticas sustentáveis. A empresa Frooty, por exemplo, cumpre um protocolo para compra de açaí. De acordo com Cláudio Hélio, Head de Operações da empresa, todos os fornecedores passam por uma apresentação da empresa e das políticas de compra sustentável. “Temos um cadastramento inicial, onde aplicamos um questionário que envolve questões ambientais, sociais e de produção. Geramos um relatório que detalha o contexto da comunidade e com ele podemos iniciar as tratativas para compra de frutos e possíveis certificações”, conta.

Em seu último relatório de boas práticas disponibilizado no site institucional, a Frooty se define como uma empresa focada em superfrutas. “A definição de superfrutas não ocorre apenas pelo alto valor nutritivo e pela contribuição para a saúde e bem-estar de quem consome nossos produtos. Acreditamos no potencial que elas têm de gerar benefícios a uma extensa cadeia de valor”, aponta a publicação. 

A empresa se aproximou dos pequenos produtores, em sua maioria ribeirinhos na Amazônia, e passou a adquirir o açaí. “Queríamos conhecê-los melhor, saber quem eles são e como vivem, identificando como agregar valor à cadeia produtiva do açaí no Brasil. Assim, estruturamos uma política de fornecimento e um programa de relacionamento com essas comunidades extrativistas, baseadas em critérios que vão além da qualidade e da produção”, descreve o relatório. 

Segundo Claudio Helio, todos os fornecedores da empresa são de comunidades, indivíduos, cooperativas e associações. “A Frooty atua de forma a desenvolver seus fornecedores para que todos atuem com responsabilidade ambiental e social. (…)  Estamos levando para as comunidades treinamentos que possam desenvolver os fornecedores no cultivo de espécies nativas que associadas ao açaizeiro venham a acrescentar na renda deles, atuando de forma sustentável”, explicou.  

A preocupação com as parcerias que a empresa fecha vem do compromisso assumido em atuar de forma a minimizar os impactos causados pelas mudanças climáticas no planeta. “O nosso maior desafio é garantir a perpetuação da espécie, levando treinamentos de manejo adequado para as áreas extrativistas. Um dos pontos principais para nós como empresa é o pensamento sustentável em operar junto com as comunidades. A sustentabilidade não diz respeito apenas ao presente. O objetivo é criar um futuro em que toda a cadeia produtiva seja um fator importante”, pontua.

Valor agregado

A cooperativa Amazonbai, única com açaizais certificados FSC do Brasil, está sediada em Macapá (AP) e seu fruto vem do arquipélago do Bailique e da região do Beira Amazonas. A organização comercializa o fruto e o vinho resultado de seu beneficiamento. De acordo com Amiraldo Picanço, presidente da entidade, as principais inseguranças das empresas para fechar contrato de aquisição do produto é a regularidade da entrega do produto e sua origem. “Se temos origem, segurança no manejo do açaí e ofertamos rastreabilidade, podemos negociar com as empresas e garantir um preço justo para um produto diferenciado”, comenta.

Para competir em um mercado ainda dominado por atravessadores, a Amazonbai aposta nas certificações para valorizar seu produto e foca em atingir o mercado para produtos de alto valor agregado. “Nosso açaí é um produto genuinamente comunitário. Precisamos valorizar isso na hora de fechar negócio. Podemos vender a narrativa do produto, que é um verdadeiro selo. A gente não tem uma produção em larga escala, por isso trabalhamos as boas práticas no sentido de garantir qualidade e valor”, finaliza.

Estabelecer relações comerciais justas é um processo que vai além da elaboração de um contrato justo e realizar os pagamentos e as entregas nos prazos, mas passa pela necessidade de valorizar os modos de vida tradicionais de quem está conservando a floresta e permitindo que as futuras gerações tenham acesso aos recursos naturais.

Diálogos Pró-Açaí

O Diálogos Pró-Açaí é uma rede multissetorial criada em 2018 com o propósito de promover um debate qualificado em prol do fortalecimento e da sustentabilidade desta importante cadeia da sociobiodiversidade. Atualmente a iniciativa conta com 70 organizações parceiras e envolve mais de 100 representantes de setores governamentais, empresas, cooperativas e associações, instituições financeiras, incubadoras/aceleradoras, redes nacionais multissetoriais, sistemas de certificação, organizações do terceiro setor, universidades, centros de pesquisa e de assistência técnica.

A iniciativa se originou do “Projeto Mercados Verdes e Consumo Sustentável”, parceria entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ), contando com o apoio de execução do consórcio IPAM/EcoConsult e Instituto Terroá. Atualmente as mesmas organizações desta cooperação apoiam a iniciativa por meio do Projeto “Bioeconomia e Cadeias de Valor”.

Esta ação, implementada pelo Instituto Terroá, teve apoio do projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor, desenvolvido no âmbito da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da parceria entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, com apoio do Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.

Compartilhar: